Piores leituras de 2022

1 estrela, odiei

Carol Correia
7 min readDec 23, 2022

Depois de ter feito a lista de melhores leituras do ano, me questionei se valia a pena fazer a lista com as piores leituras. Literatura pode ser muito subjetivo e compreendo que não é porque eu não goste que o livro seja ruim. No entanto, creio que fiz algumas leituras que não conseguiram nem chegar perto do que elas pretendiam ser e/ou lidam com conteúdo sensível de forma muito irresponsável.

Eu não tenho o poder de afetar a venda de nenhum escritor/a e não estou fazendo essa lista com o objetivo de prejudicar ninguém. Eu realmente apenas quero registrar minhas leituras e apontar a razão de eu ter detestado algo que consumi.

Dito isso, posso começar.

Não caio na sua, por Cintia Henriques

Esse livro se destacou pela capa ilustrada em que o casal está de costas um para o outro, indicando que seria um romance com a dinâmica de ódio para amor (haters to lovers).

Outro ponto que me fez pegar esse livro foi saber que acontecia no ambiente do trabalho.

E, em relação a isso, o livro não mentiu — é exatamente isso. No entanto, o romance não me convenceu (as primeiras interações soam assédio sexual, na verdade), o drama que surge é mirabolante (spoilers à frente: um julgamento, tribunal, leis de adoção) e o uso da ideia de que uma boa mulher pode curar um homem.

Além de tudo, o livro é grande — e eu senti o peso de cada página.

Se você segurar a minha mão, por Lavínia Queiroz

Encontrei esse livro em listas que divulgam livros nacionais e que estão disponíveis no kindle unlimited. Encontrei tantos achados nessas listas, que achei que valia a pena pegar esse sem checar outras opiniões. Spoiler: não valeu.

Uma moça passa por uma decepção amorosa no dia dos namorados. E, por uma razão ou outra, acaba se deparando com um rapaz que transforma sua vida.

Como eu amo livros de romance, essa premissa me interessou. O problema foi a execução. A escritora vende o livro como “um conto de romance cristão, inspirado nos doramas coreanos”. O cenário é a Coreia do Sul, os nomes, algumas localizações e algumas cenas realmente lembram kdramas. Mas todo o novo relacionamento do livro é um pretexto para um extenso sermão sobre cristianismo.

Existe diversas histórias cristãs que conseguem estabelecer seus valores de formas interessantes (As crônicas de Nárnia de C.S.Lewis é um grande exemplo), mas a impressão desse conto é que ele foi criado após o sermão que a escritora queria passar, então falha em sua proposta de narrar uma história de amor.

The Worst Best Man, por Lucy Score

Na promoção de “compre um livro ruim e leve dois”, temos The Worst Best Man.

Explico: o livro pode ser dividido em duas partes. Na primeira parte, a história conta o que é dito na sinopse. Isto é, a protagonista é a madrinha de um casamento e o interesse romântico é o padrinho do casamento; eles não se gostam, pois sentem que são polares opostos. Ela é meticulosa, ele um playboy; ela é livre de amarras, ele preso as expectativas de todos. Algo dá errado na noite anterior ao casamento, mas eles conseguem resolver sem maiores problemas.

Quando eles voltam a sua rotina, parece que um novo livro se inicia. O interesse romântico decidido a passar tempo com a protagonista agora propõe um namoro. E a protagonista se mostra incrivelmente boba e imatura. Versões muito diferentes de poucas semanas atrás.

Iniciando o namoro, várias confusões passam a acontecer por causa da família milionária do rapaz — o que levanta muitas inconsistências. Além disso, a descrição da protagonista costuma ser em comparação a arquétipos de mulheres interesseiras — nenhuma nuance ou complexidade sendo necessária. Além disso, o romance parece envolver muito mais o ato sexual que qualquer outra coisa — o que é incômodo.

O amor e outras coisas, por Christina Lauren; tradução por Cristina Calderini Tognelli

Esse livro recebe muito amor em toda a comunidade de livros de romance — e talvez por isso seja o que mais me tira paz. É outro livro que está disponível no kindle unlimited.

A história possui dois tempos simultâneos. No presente, acompanhamos a protagonista que está recém-noiva de um homem que namorou há poucos meses se deparando com seu primeiro e único amor. Logo de cara, ele deseja reatar o relacionamento e compreender o que aconteceu que os fez se separar; mas ela receia a aproximação.

No passado, vemos a protagonista ainda adolescente após perder a mãe, indo passar o veraneio em outra cidade. Uma cidade em que encontra um garoto introvertido e amante de livros.

É uma clássica história usando o tropo de segunda chance (um dos meus tropos de romance favoritos). Então, a história tinha tudo a seu favor para eu gostar.

No entanto, o romance no presente é sem graça e os conflitos de dois adultos transparecem a mesquinhez que apenas jovens imaturos poderiam ter. Mas esse não é o grande problema do livro, este é o evento que os fez se separarem de forma tão grosseira.

Spoilers a frente, para quem ainda tem interesse em ler (embora, eu não considere que haja necessidade de gastar energia e tempo com ele): numa noite estranha, ela vai a festa em que ele se encontrava e o vê bêbado nu com outra garota; ela chateada esquece de ligar para seu pai; seu pai dirige para encontrá-la e enquanto conversam, um acidente de carro ocorre e o pai da protagonista falece; ela passa a recusar todas as ligações dele e ele desconhece que o pai de sua namorada faleceu e com quem transou naquela noite.

Não há problemas em matar personagens, mas matar o pai acontece da forma menos impactante possível e consigo ver que as escritoras desejavam fazer desse um incidente. E o a suposta transa do namorado, em que ele não sabe com quem transou nem as implicações de tal acontecimento são uma das coisas mais imbecis escrita por profissionais da área. Claramente é uma situação de violência sexual e a culpa é jogada sobre a vítima. Trouxe-me questões como: “não houve ninguém no departamento para intervir?”, “não há agente literário nem editor para impedir tamanha irresponsabilidade?”, “em meio a tantos livros incríveis, por que essa história recebe tanta aclamação?”.

Sei-chan, your love is too much!, por Sasa Segawa

Esse é um mangá completo, mas que tive o desprazer de ler 10 dos 15 volumes.

Retrata a história de quando um amigo de infância passou a viver com a protagonista e seu irmão. Ele é seu primeiro amor e é o melhor amigo de seu irmão. Assim que começam a morar juntos, Sei-chan passa a seduzir a protagonista e assim iniciam um relacionamento “ás escondidas”.

A história não faz sentido pela razão que os fazem morar juntos, para começo de conversa. Mas o que me deixa desconfortável é a interação do interesse romântico com a protagonista em que envolve até relações sexuais e possessividade. Além disso, há a presença do irmão que demonstra um “complexo fraterno”.

Para uma história tão simples, ela não entrega nada de romance, nenhum humor e nem a tranquilidade de uma vida doméstica entre adolescentes. Nem os conflitos que surgiram foram interessantes o suficiente para me entreter.

Sailor moon: short stories (volume 1), por Naoko Takeuchi

Há dois volumes de pequenas histórias que acontecem antes do final de Sailor Moon. Eu não tenho problema algum com o segundo volume. Mas o primeiro possui não apenas histórias sem graça com o mesmo enredo acontecendo de novo e de novo (um vilão sem nome e sem personalidade aparece e duas sailors ou mais os pegam logo depois e nada acontece feijoada); mas também muito do humor são baseadas em gordofobia e na sexualização de meninas do ensino fundamental (as duas amigas de Chibiusa que assim que surgem os homens ao seu redor tem narizes sangrando).

Considerando que eu gosto do trabalho de Naoko Takeuchi, fico decepcionada a listá-la nessa lista.

*

Você pode perceber que listei bem menos que minha seleção dos melhores livros. Eu tive um bom ano de leituras. E, além disso, apenas selecionei aqui as obras que acredito que seria um desperdício de tempo as ler. Essas palavras talvez sejam fortes demais, mas elas não condenam todos os demais trabalhos desses escritores (inclusive, gostei de outros trabalhos dos escritores que mencionarei).

Em meio a tanta publicação nova que me deixa até tonta e ansiosa com a inevitabilidade de zerar minha lista de livros desejados, acho prudente adotar alguma espécie de limite para mim. E, assim, eu posso me comprometer a não ler mais de determinado escritor/a/es.

Esse ano, as escritoras que entram na minha lista de menções desonrosas são: Lucy Score e Christina Lauren.

De ambas, li dois livros. Em ambos, o primeiro livro achei a premissa interessante e compreendi a execução, embora não tenha me apaixonado pela escrita, certamente iria ler mais de tal escritora. Então é com tristeza que digo que mesmo me agradando de By the thread, The Worst Best Man me deu a certeza de que os livros de Lucy Score não são para mim. E o mesmo pode ser dito de Christina Lauren. Essas duas são um nome de destaque na seção de romances, então embora tenha compreendido o apelo de Minha Versão de Você, Amor e outras coisas destruiu qualquer vontade de acompanhar o trabalho delas.

Houve outros trabalhos que também não funcionaram para mim, mas compreendo que eu não seja o público-alvo da obra — é uma questão de preferência e/ou de momento. E, por isso, não os listei aqui.

Para 2023, espero não ter mais nenhuma adição de escritores e livros a uma próxima lista de piores do ano. (Amém.)

* por favor, não mandem essa lista para os escritores aqui mencionados. Vamos manter a discrição (e o bom-senso).

--

--

Carol Correia

uma coleção de traduções e textos sobre feminismo, cultura do estupro e racismo (em maior parte). email: carolcorreia21@yahoo.com.br